O TRIUNFO DAS CIGARRAS

O TRIUNFO DAS CIGARRAS
Cada tempo tem os seus triunfos.E cada pessoa a sua fama e o seu proveito.As formigas foram,ao longo dos tempos,uns animais com a fama e o proveito de trabalhadoras.Não havia intempérie que as vencesse.Perante situações de crise sempre se recompuseram porque sempre foram lutadoras. Já notaram o que acontece quando alguém pisa um carreiro de formigas?Após o susto inicial e as fugas precipitadas em todos os sentidos,pouco tempo depois tudo regressa à normalidade e cada uma toma o lugar que lhe compete no carreiro da vida.Todavia,nestes tempos mediáticos a ideia de trabalho parece ter sido substituida pelo frenesim do dinheiro.Os tempos não estão nada fáceis e os ambientes andam demasiado poluidos.Nesta nossa pós-modernidade vale tudo… desde que facture. E é assim que muita cigarra se tem governado,invertendo o sentido das conhecidas histórias que povoaram no passado o nosso imaginário e hoje circulam “mentideros” do costume.Todos conhecemos a cigarra com a sua pompa e as suas circunstâncias,sempre debitando o seu típico cega-rega.Alternando a boa vida com situações de crise a cigarra sempre se foi aguentando como pode. Mas,um belo dia resolveu mudar de vida e começar a tirar partido das facilidades burocráticas e burlocráticas consentidas pelo deixa andar do império dos sentados.Pois não eram bem visíveis os sinais de novo riquismo de tanta cigarra que vive sem grandes preocupações no bem-bom do sistema? Percebendo o clima de festa de muito boa gente, o festim de muitos interesses pessoais e os benefícios livres que se conseguiam com alguma esperteza a cigarra pensou que era altura de também ela montar o esquema para…trabalhar o sistema.E sem hesitações resolveu passar à acção e chamar as atenções públicas sobre a sua condição de cigarra marginalizada,mal paga e explorada pelo liberalismo e seus derivados. Montou,como é usual na actual conjuntura,um observatório e rapidamente viu as facilidades do PSEC(processo do sistema em curso).De imediato compreendeu que tinha que reclamar direitos e fazer algum barulho mediático para a sua situação ganhar estatuto de cidadã em crise.Porque havia de ser marginalizada?Porque não haveria de ter os mesmos direitos que os outros?Tudo poderia ser resolvido utilizando os meios que o sistema colocava à sua disposição.Com o rendimento ”social” garantido,que mal dava para manter o cigarrar afinado,não passaria da chamada cepa torta .Era preciso ir mais longe.E foi o que fez.Como primeira acção convocou uma conferência de imprensa para que pudessem ser vistas e sentidas a suas difíceis condições de vida.As televisões mostraram as degradantes condições de vida em que a pobre cigarra vivia,obviamente muito pouco consentâneas com um país europeu organizador dum Euro 2004.Os reality shows mostraram com imagens de choque a péssima vida da cigarra. Enquanto uns viviam bem a cigarra sem emprego e vivendo numa barraca,em condições indignas,incomodava alguma classe do país.Como seria possível dar a imagem de um Portugal feliz,cheio de estádios novos,neste contexto de crise tão visível?O governo prometeu tomar medidas imediatas e nomeou uma CTI-comissão técnica independente,para estudar esta e outras situações visando terminar com estes sinais intoleráveis.O país não poderia tolerar tais situações.O explendor do país não podia permitir tal coisa.Um grupo de cidadãos e senhoras da sociedade organizaram com o apoio das revistas sociais algumas vernissages…de solidariedade onde foram recolhidos alguns fundos.As televisões colaboraram com reportagens mostrando,nos seus programas do social,imagens de muitas cigarras,já bem colocadas na vida do país,que aproveitaram para de forma muito mediática se solidarizarem com todas as situações idênticas, abrindo de imediato uma conta solidariedade numa instituição financeira.
Em pouco tempo a cigarra alcançou um estatuto de algum bem estar e muita independência.Pensou consigo própria que poderia ir mais longe,já que com alguma facilidade tinha conseguido…demasiado.
Soube então que podia dispor de alguns subsídios e candidatou-se a um projecto empresarial.Abriu a sua primeira loja de pronto a ciigarrar,a “MacFestais.Festas e Arraiais.com”.Com a experiência adquirida em todo este processo a novel empresária tornou-se um modelo de sucesso do sistema liberal,o tal que tanto criticára no passado.A comunicação social fez-lhe a promoção e as “Festais” tornaram-se símbolo do “jet-set”.As festas e os arraiais não paravam.Os nomes pomposos da nossa sociedade faziam parte do seu mundo de negócios e das suas amizades.O negócio prosperava e como tinha a matéria prima bem próxima lançou o que veio a ser um enorme sucesso empresarial a “MacSet”,revista de famosas e famosos,de tias e tios e seus… sucedâneos.
Diz-se,em meios considerados bem informados,que a cigarra se prepara para novos projectos e que estará para breve um “MacOndas”,o primeiro canal cabo que,em directo ou diferido,colocará em antena as festas,os festins,os arraiais,os chás,as “griffes”,as vernissages,os almoços,os jantares,os encontros,enfim tudo o que os famosos fazem ou dizem.De facto ,o importante para a MacOndas é “onde eles estiverem,estará lá…sempre…mais perto do que é importante…porque…fazer assim será óptimo”.Onde chegará a estratégia da cigarra?O próximo passo só pode ser o da internacionalização.Aliás,como manda a tradição, tem já em preparação um seminário internacional sobre “globalização e jet-set” onde pretende dar a conhecer os movimentos dos famosos pelos vários paraísos…fiscais.O seminário como não podia deixar de ser terá altos patrocínios de figuras mediáticas,ou em transito pela comunicação social,e será realizado no incontornável Parque das Nações. Quem havia de dizer…!Enfim o sucesso é como um pastel de nata,saboreia-se enquanto se come…Qualquer semelhança entre o espectáculo da actual conjuntura e esta história não é pura coincidência.O sistema tem facilitado e permitido demasiada cega-rega na costa … e por isso continuamos a pagar as contas e os défices da incapacidade (bem)instalada.
José Vicente Ferreira
Gestor e Docente Universitário ISCSP-UT